quarta-feira, 30 de abril de 2014

* Bispo afirma que Governo violou a Constituição e tornau-se cúmplice dos crimes contra os índios

Dom Erwin e Papa Francisco
Por Renato Santana, de Brasília (DF), para o Cimi
O episódio que levou o cacique Babau Tupinambá a ser mantido sob custódia da Polícia Federal, em Brasília (DF), onde quatro mandados de prisão impediram a liderança de viajar ao Vaticano para encontro com o papa Francisco, representa para Dom Erwin Kräutler, bispo da Prelazia do Xingu, em Altamira (PA), e presidente do Cimi, a necessidade de ser conservada a aparência ´de um Brasil sensível à causa dos povos autóctones. As aparências de que o Brasil é um estado de direito que honra a sua Carta Magna precisam ser mantidas´. Babau faria denúncias de violações aos direitos indígenas no exterior.
Assim, aponta Dom Erwin, o governo se torna cúmplice de uma campanha anti-indígena corrente no país e dos crimes por ela cometidos. Desde a década de 1960 no Xingu, o bispo já foi preso, sofreu atentados, ameaças e xingamentos públicos. Vive hoje sob escolta de agentes policiais.Trazendo a carta Eu Acuso!, escrita por Émile Zola em 1898, o bispo ressalta o dever de denunciar para não ser cúmplice. E afirma: ´É uma tremenda lástima que Babau foi impedido de fazê-lo’. No início deste mês, Erwin esteve com o papa Francisco (foto) e entregou ao sumo pontífice uma carta detalhando os problemas enfrentados pelas populações indígenas no Brasil.
Em entrevista, Dom Erwin analisa o impedimento de Babau viajar ao encontro de Francisco e de sua consequente custódia, com a determinação judicial de ser levado para detenção temporária no presídio de Ilhéus, na Bahia.
Crente de que se trata de perseguição política, Erwin, que acompanha a luta de Babau e dos Tupinambá desde a época em que passaram a reivindicar o reconhecimento enquanto povo junto à Funai, acredita que se as denúncias do cacique não chegaram ao papa pelas palvaras do próprio Tupinambá, chegará por intermédio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Para o bispo, o país saiu de uma ditadura militar para entrar numa ditadura civil: a violação do direito constitucional pelo governo federal ´escancara as portas para todo tipo de abusos criminosos que não deixam de ser torturas de pessoas e povos´. Leia a entrevista:
Que importância teria para a questão indígena no Brasil o papa Francisco encontrar-se com o cacique Babau Tupinambá? 
No passado, dia 4 de abril, estive com o papa Francisco e falei da questão indígena no Brasil, partilhei com ele os problemas que os índios enfrentam apesar de termos uma Constituição Federal bem favorável a eles em relação à defesa de suas terras ancestrais, sua cultura e a seu modo de viver. Há uma campanha anti-indígena em curso que quer modificar os parâmetros constitucionais para possibilitar o acesso às terras indígenas a fim de ocupá-las e explorá-las. Entreguei ao papa, muito interessado nesta questão, um texto mais abrangente, com detalhes. Agora, o cacique Babau Tupinambá teria tido a possibilidade ímpar de encontrar-se com o papa e isso seria, sem dúvida, mais um momento privilegiado para os índios, através de uma de suas mais expressivas lideranças poderem manifestar suas preocupações e angústias. É uma tremenda lástima que Babau foi impedido de fazê-lo.
A retaliação ao cacique pode despertar que tipo de percepção no papa Francisco?
A carta que Babau levaria, com toda a certeza, iria chegar às mãos do papa Francisco. O papa é muito atencioso e abre seu coração, de modo especial aos que se encontram nas “periferias existenciais“ como é o caso dos povos indígenas no Brasil. Imagino que o papa lamentou profundamente não ter encontrado esse líder indígena do Brasil. Mesmo assim, o papa tem conhecimento da causa indígena e penso inclusive que nosso Cardeal Dom Raymundo Damasceno Assis, presidente da CNBB, não deixou de comunicar ao papa Francisco o que aconteceu. A nota do Secretário Geral da CNBB, Dom Leonardo Ulrich Steiner, foi muito oportuna e expressou de modo contundente o nosso pensamento.
O que o governo brasileiro e a Justiça da Bahia temem ao exumar mandados de prisão arquivados e usar um outro, expedido há mais de dois meses, para impedir Babau de viajar?
Os governos, seja em nível estadual ou federal, preocupam-se muito com a imagem do Brasil no exterior. Não se trata de cumprir à risca o que manda a Constituição, não se trata de abandonar políticas que prejudicam os povos indígenas e encetar políticas que os defendem e lhes garantem a sobrevivência física e cultural. Os governos consideram os índios obstáculos para o progresso, entraves para o desenvolvimento. No entanto, tem que ser conservadas as aparências de um Brasil sensível à causa dos povos autóctones. As aparências de que o Brasil é um estado de direito que honra a sua Carta Magna precisam ser mantidas. A realidade cruel que esses povos estão passando não interessa. E quando alguém vai para fora e denuncia agressões calamitosas e omissões gritantes do governo, aí os governantes ficam furiosos e procuram a todo custo negar o que todo mundo sabe e conhece e fazem de tudo para silenciar a voz de quem divulga a verdade e nada mais que a verdade. Partem até para medidas descabidas de prender, de criminalizar a quem teve a ousadia de arranhar a imagem do governo no exterior.
Tal como Babau, o senhor já foi preso, ameaçado, xingado, atacado. O que o senhor tem para acusar?
O célebre escritor francês Émile Zola (1840-1902) não aguentou mais ficar calado diante de um erro judicial que condenara Dreyfus por espionagem e escreveu, em 1898, ao presidente da França, Félix Faure, a famosa carta “J’accuse” (Eu acuso!) em que ataca os responsáveis pela condenação de um inocente: “Mon devoir est de parler, je ne veux pas être complice” (Meu dever é de falar, eu não quero ser cúmplice). “Minhas noites seriam assombradas pelo espectro de um inocente que sofre no além-mar, mergulhado na mais horrível das torturas, por um crime que não cometeu”. Com essa expressão Zola defende sua convicção de que, quem cala não apenas consente, mas se torna cúmplice de ações criminosas. Assim nós não acusamos somente o governo de ser omisso, de tapar os ouvidos diante do clamor dos povos indígenas, de fechar os olhos diante das violências, injustiças e ameaças que esses povos sofrem em todo o território nacional, nós acusamos o governo de violar a própria Constituição Federal e tornar-se assim cúmplice dos crimes perpetrados contra os índios.
O impedimento da viagem de Babau não é o primeiro nas últimas décadas. Outros ocorreram, caso de Mário Juruna, em 1980, e de lideranças Kayapó, em 1988. Por que estes episódios, entre outros, se repetem?
Existem ditaduras militares, governos de exceção, com tudo o que isso significa em termos de violação dos direitos humanos. Conhecemos essa história não tão distante do nosso tempo. Recordamos com revolta o AI-5 e outras medidas arbitrárias da época da ditadura militar e gritamos até hoje: “Tortura nunca mais!”. Lamentavelmente existe também uma ditadura civil que se estabelece quando um governo agride e desrespeita a Constituição Federal. Essa violação escancara as portas para todo tipo de abusos criminosos que não deixam de ser torturas de pessoas e povos. O atual governo paralisou, por exemplo, os processos de demarcação de terras indígenas, contrariando o que prescreve a Constituição Brasileira e descumpre as obrigações constitucionais no campo da saúde e educação indígenas. Torna-se por isso responsável pelos conflitos e violências de que os povos indígenas são vítimas.

* Premiada indígena peruana que evitou construção de represas na Amazônia


Ruth Buendía
Ruth Buendía
Por AFP
Ruth Buendía Mestoquiari, líder da tribo ashaninka, foi premiada em San Francisco (Califórnia, oeste), por evitar em 2010 a construção de duas hidrelétricas na Amazônia peruana – uma delas a cargo da Odebrecht – que teriam provocado o deslocamento de milhares de indígenas.
“A coragem foi o que me levou a fazer tudo isto”, afirmou Buendía ao receber, na segunda-feira, o prêmio concedido pela organização ambiental americana Goldman.
Em 2010, Lima e Brasília assinaram um convênio para a construção de 15 represas no Peru, algumas delas no rio Ene – que, junto com outros afluentes, dá origem ao Amazonas – para, posteriormente, enviar a energia ao território brasileiro.
Buendía, que na ocasião já presidia a organização CARE (Central Ashaninka do Rio Ene), denunciou que seu país havia aprovado os acordos violando um tratado da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que obriga os governos a consultarem comunidades indígenas para a construção de instalações em seu território.
A líder indígena, de 37 anos, conseguiu unir seu povo contra as hidrelétricas, usando entre outros meios, a exibição de simulações digitais, que mostravam a eventual catástrofe ambiental e o deslocamento de cerca de 1.500 famílias ashaninka que as represas teriam desencadeado.
No final deste ano, o governo peruano anunciou a suspensão do projeto Pakitzapango e, meses depois, a Oderbrecht abandonou o do Tambo 40, alegando a necessidade de respeitar as comunidades locais.
Os ashaninka – que vivem da agricultura, da pesca e da caça – sofreram deslocamentos forçados quando a guerrilha do Sendero Luminoso se instalou em suas terras. Milhares deles foram assassinados, como o pai de Buendía, enviada a Lima para escapar da violência.
Ela reivindicou a importância da educação para enfrentar “o narcotráfico, e a extração de petróleo e gás” que ameaçam seu território.
A indígena peruana disse que investirá os 175.000 dólares do prêmio na educação de seus cinco filhos e no financiamento da organização que preside.
Junto com ela também foram premiados Desmond D’Sa, da África do Sul; Ramesh Agrawal, da Índia; Helen Holden, dos Estados Unidos; Suren Gazaryan, da Rússia; e Rudi Putra, da Indonésia.